Judite, a mãe de um povo

 Se para muitos cristãos as heroínas bíblicas passam desapercebidas, em Contos Eróticos do Velho Testamento de Deana Barroqueiro elas ganham força por meio do charme e da sedução, e um exemplo disso é Judite apresentada ao leitor pelo conto Os langores de Holofernes


Para os cristãos protestantes, Judite não é muito conhecida, visto que o livro que conta a sua história é para eles considerado apócrifo. O que é uma pena, pois a história da personagem é de bravura e coragem. Judite pode ser lida como uma representante das mulheres judias, e no conto que aqui vou comentar, ela é quase uma grande sacerdotisa, algo impensado para os tempos em que viveu, onde apenas os homens detinham os grandes cargos. Parece ser um ponto fora da curva, mas um leitor bem atendo, pode perceber que o texto bíblico é repleto de mulheres expressivas e que de alguma forma provocam grandes mudanças na história. 


O conto inicia-se com Holofernes, chefe supremo do exército assírio, muito irritado por ter mais uma vez perdido uma batalha para o povo judeu. Objetivava-se conquistar Jerusalém e o famoso Tempo de Salomão, devido ao revestimento feito em ouro. O exército assírio era grande e poderosamente armado, enquanto os israelitas estavam amardos apenas com pedras para as suas fundas, como o pequeno Davi que um dia foi lutar contra Golias. Aqui a identidade do povo já é fortalecida pela história do seu grande e amado rei. E mesmo fraco em armas, eles venceram o exército de Holofernes. 


Diante da derrota, os assírios tiveram que apelar para outra estratégia, essa mais cruel, pois todo povo sofreria as consequências. Eles decidiram corta a água das nascentes e destruir o aqueduto. Em vinte dias todas as fontes, poços e cisternas se secaram e o povo se viu em desespero. Ao ouvir a lamentação de Ozias, governador do povo que pensava em se render, Judite, uma viúva rica e bela, toma frente, chama os anciãos, e decidi ir se encontrar com o inimigo. Aqui a história começa a ganhar força prendendo o leitor até à última linha. 


Gustav Klimt

Se no conto de abertura da coletânea, Deana Barroqueiro não apresenta grande envolvimento com a história, podendo até mesmo perder o seu leitor, aqui toda a elegância e maestria da sua escrita se revela. Claro que alguns aspectos da história carecem de revisões, como exemplo, temos o fato de Judite ter no segundo andar de sua casa um oratório em que diariamente cingia o seu corpo, prática não adotada pelos judeus. Porém, ainda assim ela amplia o conhecimento de uma história importante no texto bíblico que pode ser desconhecido para muitas pessoas. Ela proporciona assim, um importante conhecimento cultural. 


O que impressiona no conto além da capacidade de prender o leitor, é a elegância com que os fatos ocorrem. Barroqueiro demonstra compreender bem as diferenças entre o pornográfico e o erótico, e faz com que o leitor seja seduzido por Judite sem essa revelar a sua nudez completa e os atos sexuais de forma explicita. Assim, sabemos que algo ocorreu, mas isso porque deduzimos esse ocorrido. É um excelente texto para ser lido durante à noite sob a luz baixa da luminária acompanhada de uma taça de vinho, como essa que vos fala o fez. 


Após conversar com os sábios da cidade, Judite se reúne com a sua serva e vai seduzir Holofernes. Para isso, ela veste seus trajes mais ricos, as sandálias mais delicadas. A serva prepara os cabelos massageando-os com bálsamos. Judite deixa para trás a sua viuvez que a faz ser desejada pelos homens de seu povo vestindo-se de toda a beleza para o encantamento em que ela esperava, que lhes daria a vitória. 

Artemisia Gentileschi


Para não estragar a surpresa do leitor que ainda não conhece a história de Judite, não vou mais contar sobre os fatos que sucederam. Vou apenas me ater a falar do que senti ao ler o conto e o que o leitor pode esperar. 


Como dito anteriormente, aqui Barroqueiro realmente revela o seu talento. A autora constrói uma personagem que, enquanto se mostra frágil ao chorar noturnamente à morte do seu marido, tem uma força avassaladora para enfrentar o inimigo do seu povo. Barroqueiro desenvolve uma Judite que quase se revela mãe dos israelitas. O texto bíblico tem como proposito contar a história para educar os fiéis conforme os seus princípios, assim, o texto é construído de forma direta sem apresentar detalhes dos ocorrido, e até mesmo a personalidade dos personagens. 


Porém, nas mãos de Barroqueiro a história ganha vida e detalhes que talvez não pudessem ser imaginados. A velocidade do texto é correta, e as sutilezas dos detalhes impressionam fazendo o leitor se encantar. É realmente um texto que enriquece o conhecimento cultural, mas também possibilita o encantamento. Em tempos em que o empoderamento feminino tem se tornado cada vez mais importante, essa é uma história relevante, pois faz com que muitas mulheres se sintam representadas, principalmente diante de uma cultura em que as mulheres muitas vezes são subjugadas. Agora sim, é possível se impressionar com a escrita de Deana Barroqueiro.


Você já conhecia a história de Judite? 


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